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Competitividade adiada

Nuno Matos, Manager Marketing Iberia na Sovos Saphety

3 ABRIL, 2024

O adiamento da adoção obrigatória da faturação eletrónica B2G em Portugal não é apenas uma questão de tecnologia; é uma decisão que pode moldar o futuro da economia do país e preparar o caminho para a obrigatoriedade B2B, entre empresas.

Este foi apenas mais um adiamento da obrigatoriedade da Faturação Eletrónica B2G, ou da competitividade das empresas portuguesas?

A recente decisão do governo em adiar a adoção obrigatória da faturação eletrónica no segmento B2G (Business-to-Government) em Portugal, pela sétima vez nos últimos 3 anos, traz consigo uma série de implicações para a economia.

Antes de nos debruçarmos sobre as possíveis implicações, é pertinente procurar uma explicação para os sucessivos adiamentos. Entre os motivos que poderão contribuir para as contínuas prorrogações estarão duas ideias fundamentais:

  1. A de que as faturas em PDF são suficientes para que a transformação digital da faturação das empresas esteja concluída.
  2. A de que existem custos associados à faturação eletrónica que a maioria das empresas não poderá comportar, em particular as micro e as pequenas empresas.

Acredito que na base destas decisões ainda possa existir algum desconhecimento que leve a considerar válidas estas ideias.

Ao longo dos últimos 5 anos, e desde que se tornou claro que esta obrigatoriedade seria inevitável, que operadores, softwares de gestão e parceiros integradores colaboraram no sentido de criar as condições para que esta adoção fosse uma realidade, de forma massificada e transversal a empresas de qualquer dimensão, num curto espaço de tempo.

Não foi a primeira vez que tal desafio se colocou, igualmente no contexto B2G. Há quase 15 anos, em 2009, entrava em vigor a legislação para a Contratação Pública Eletrónica, que impactou toda a administração pública e dezenas de milhares de empresas, suas fornecedoras. Na altura, os prazos de adoção mantiveram-se firmes e de forma determinada levou-se a cabo a total desmaterialização dos contratos públicos. Em poucos meses revolucionou-se a contratação pública em Portugal. Um caso de sucesso. Convém recordar que se tratou de um processo bem mais complexo e exigente do ponto de vista da utilização, formação e implementação se comparado com o “simples” envio de uma fatura.

Em contraste, o número de adiamentos na adoção da faturação eletrónica – que apenas teimam em adiar o inevitável, considerando a diretriz da UE que obriga Portugal a esta implementação – retiram qualquer legitimidade a que este possa também ser considerado um caso de sucesso.

Estarão as PME preparadas?

Ao longo dos últimos 3 anos houve uma mudança de paradigma substancial que veio responder à necessidades colocadas pela obrigatoriedade da faturação eletrónica no âmbito dos contratos públicos. Por um lado, democratizou-se o acesso a estas soluções – com processos de adesão simples e rápidos – por outro, e por consequência, reduziram-se drasticamente os investimentos associados à respetiva adoção.

Atualmente, o investimento nestas soluções consegue, desde logo, ser inferior aos custos associados ao envio de faturas em papel, se tivermos em conta a impressão, envio por correio e erros resultantes de um processamento manual, por emissores e recetores.

Quando comparada com o envio de faturas em PDF, as vantagens associadas à faturação eletrónica são suficientes para justificar esta última: maior rapidez nos pagamentos, maior transparência nas relações comerciais e a eliminação de erros no processamento são alguns dos argumentos mais evidentes.

As soluções de faturação eletrónica existentes no mercado também se adequaram às diferentes necessidades e dimensões dos negócios, permitindo uma adoção praticamente imediata por parte de qualquer empresa, essencialmente através de três opções:

  1. A generalidade dos softwares de gestão no mercado, incluindo os mais utilizados pelas empresas nacionais, têm já o serviço de faturação eletrónica disponível para ativação, sem necessidade de um processo de implementação associado;
  2. Para as empresas que não tenham esta opção, ou pretendam uma utilização mais simples – por exemplo, por emitirem volumes reduzidos de documentos ou para necessidades temporárias – podem utilizar a opção de envio através de um portal web que garante igualmente a integração dos documentos financeiros junto dos seus destinatários;
  3. Para as empresas de maior dimensão e volumes de faturação mais elevados continua a existir a opção de integração direta do software de gestão com o operador de faturação eletrónica Neste caso, são possíveis níveis de personalização maiores, sobretudo quando a fatura não é a única tipologia de documento, mas existe a necessidade de transacionar documentos complementares, como sejam o pedido de compra, a guia de remessa ou a guia de receção, entre outros. Esta é uma necessidade usual em setores com forte dependência logística e cadeias de abastecimento complexas, como é o caso do retalho ou da saúde.

A adoção da faturação eletrónica em Portugal

Em 2022 a Sovos Saphety, plataforma líder da faturação eletrónica em Portugal, registou mais de 65 mil milhões de euros de transações através das suas soluções, o que corresponde sensivelmente a cerca de 27% do volume do PIB Nacional desse mesmo ano.

Este volume, ainda que encorajador do ponto de vista da transição para a faturação eletrónica, está ainda longe de uma adoção generalizada destas soluções por parte das PME e micro empresas.

Se analisarmos a realidade do tecido empresarial nacional, de acordo com dados da Pordata relativos a 2022, Portugal conta com 1,4 milhões de empresas, 96% das quais são micro. As PME são cerca de 56 mil, e as grandes empresas 1.503, de acordo com a mesma fonte.

As grandes empresas lideram sem surpresa esta adoção que tem de resto acontecido ao longo das duas últimas décadas e quase sempre motivada por agendas que privilegiam eficiências operacionais e pela necessidade de digitalização dos vários setores de atividade. Acrescem ainda as políticas de imposição destes processos por parte dos principais operadores económicos junto das suas comunidades de fornecedores, suportadas pela força de mercado que detêm e apresentadas como condição obrigatória para que estas relações comerciais se concretizem.

Contudo, no contexto das micro e PME, para além das exigências de uso desta solução colocada pelos principais operadores de setores como o retalho ou a saúde, tem sido mais evidente um condicionamento da adoção ao sabor da obrigatoriedade legal, eminente em matéria de contratos públicos (segmento B2G) e no horizonte dos próximos anos, se pensarmos no segmento B2B.

Então de que forma é que os processos de negócio, empresas e a competitividade do país são lesadas com mais este adiamento?

O adiamento da faturação eletrónica B2G é mais um factor, entre outros, que contribuí para uma estagnação da modernização empresarial em Portugal. As empresas que investiram tempo e recursos na preparação para uma transição sentir-se-ão frustradas e prejudicadas perante um cenário de desaceleração na adoção de práticas mais eficientes e digitalizadas.

A faturação eletrónica não é apenas uma mudança tecnológica, mas uma oportunidade para otimizar a eficiência operacional. O adiamento da sua adoção pode privar as empresas e o governo de benefícios como a redução de erros, a simplificação de processos e a agilização nas transações, impactando negativamente a eficácia dos processos comerciais.

Num cenário global cada vez mais digital, o adiamento agrava a capacidade competitiva das empresas portuguesas em contraste, por exemplo, com os restantes estados-membros da UE, em que estas leis já se encontram em vigor de forma mais generalizada, conferido assim vantagens competitivas às empresas que operam nos respetivos mercados.

Este adiamento acarreta ainda riscos de não conformidade futura, na medida em que as empresas se sentirão tentadas a adiar a implementação de práticas que serão inevitáveis no futuro. O governo português, por sua vez, enfrentará maiores desafios numa eficiente cobrança de receitas, numa altura em que os governos por todo o mundo sabem já o quão valiosa poderá ser uma ferramenta como a faturação eletrónica: pela transparência e capacidade de acesso aos dados transaccionais de toda a economia em tempo real e o impacto que este conhecimento terá na administração tributária e finanças públicas.

Para além desta inevitabilidade e considerando a forma como os principais estados membros – incluindo Itália, França, Espanha, ou Alemanha – já estão alguns passos à frente nesta matéria, focados já na faturação eletrónica B2B obrigatória, acresce ainda a visão da UE que pretende tornar esta obrigatoriedade real já a partir de 2028, ao ter anunciado a proposta ViDA (IVA na Era Digital), em que a introdução de relatórios digitais obrigatórios de transações transfronteiriças na UE, juntamente com a fatura eletrónica obrigatória, serão algumas das maiores mudanças.

O adiamento da adoção obrigatória da faturação eletrónica B2G em Portugal não é apenas uma questão de tecnologia; é uma decisão que pode moldar o futuro da economia do país e preparar o caminho para a obrigatoriedade B2B, entre empresas.

À medida que empresas e governos procuram aumentar a sua eficiência operacional e competitividade num mundo global e digital, o adiamento destas iniciativas poderá ter repercussões nocivas para os anos que se seguem. É portanto fundamental que todos os stakeholders, a começar pelo governo, considerem os impactos negativos potenciais e procurem soluções para minimizar os riscos associados a este adiamento.